segunda-feira, 24 de novembro de 2008

FALA MENDONÇA DE BARROS – EM QUEM A CRISE VAI DOER MAIS

FALA MENDONÇA DE BARROS – EM QUEM A CRISE VAI DOER MAIS

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Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações no governo FHC, é hoje economista-chefe da Quest Investimentos. Dentro do governo ou fora dele — já há muitos anos —, sua capacidade de antecipar cenários, com impressionante dose de acerto, é reconhecida por admiradores e adversários. Na entrevista abaixo, concedida com exclusividade a este blog, ele diz qual é a fatia dos brasileiros que vai sentir primeiro os efeitos da crise global — que já chegou ao Brasil, incomodando bem mais do que uma simples marolinha. Com base em dados colhidos pela MB Consultores Econômicos, ele afirma que “haverá uma redução importante nos rendimentos do trabalho dos brasileiros com renda superior a 10 salários mínimos”. Pois é, leitor amigo...

Uma das características de Mendonça de Barros é pensar as implicações políticas da economia. Não havendo um agravamento da crise, ele antevê: “O presidente Lula não enfrentará um quadro de desastre que possa destruir o apoio que hoje tem dos mais de 50% dos brasileiros que ganham menos de cinco salários mínimos (...). Eles devem apenas sentir a interrupção da melhora ocorrida nos últimos anos, não uma queda expressiva nos seu nível de vida.”


O país crescerá os 4% antevistos pelo ministro Guido Mantega (Fazenda)? “Com a redução da demanda chinesa, os preços das commodities exportadas pelo Brasil voltaram ao nível de 2002, eliminando, dessa forma, os ganhos na nossa capacidade de importar. Este movimento é que obriga o Brasil a crescer novamente a taxas de 2,5 % ao ano”, afirma Mendonça de Barros.


Na conversa abaixo, ele lembra que os economistas esperavam há tempos uma drástica desaceleração da economia mundial. A crise que chegou, diz, traz características que já tinham sido antevistas, mas também surpreende em muitos aspectos. Segue a entrevista:


Há alguns anos, economistas falam do risco do “The Big One” na economia, aquela que seria realmente uma crise grave, com terríveis efeitos globais. Queria que o senhor caracterizasse a crise que se esperava então.

Há muitos anos vivemos um grande desequilíbrio macroeconômico no mundo, representado pelo excesso de consumo privado nos EUA e de poupança em parte importante do mundo, principalmente na Ásia. Mais recentemente, durante a era Bush, o governo passou a incorrer também em grandes déficits fiscais. Em outras palavras: a taxa de poupança americana ficou ainda mais negativa, o que levou os EUA a ter déficits crescentes em seu comércio com o mundo exterior, como ensina qualquer livro-texto de economia.

Como os EUA emitem a moeda internacional, que é o dólar, esse desequilíbrio se transformou em uma fonte de instabilidade cambial, com um processo continuado de desvalorização da moeda americana. Criou também uma situação de excessiva liquidez no sistema bancário mundial, provocando uma expansão desordenada do crédito em vários países do mundo, principalmente nos próprios EUA, à medida que os dólares exportados voltavam para Wall Street. Essa dinâmica atingiu um estagio gravíssimo nos últimos dois anos, com um aumento brutal da liquidez financeira.
Um dos resultados deste processo de expansão do consumo americano foi o crescimento vigoroso de um grupo de economias emergentes – liderados pela China – por meio do comércio exterior e do investimento privado no setor industrial exportador. Os recursos gerados pelo crescimento de suas exportações passaram a ser reciclados para os EUA por intermédio de aplicações financeiras, fechando o ciclo de desequilíbrios e financiando o déficit externo americano. Vale dizer: governos como o chinês e os dos países exportadores de petróleo equilibravam a balança de pagamentos americana por intermédio da compra maciça de títulos emitidos por Washington.

A correção desses desequilíbrios era uma questão de tempo e viria necessariamente por uma redução do consumo nos EUA e de um aumento da poupança privada – principalmente das famílias – da ordem de 7% a 10% do PIB. A esse movimento tectônico, os economistas passaram a chamar de “The Big One”, expressão tomada emprestada do grande terremoto que se espera na região de Los Angeles.


Mas a crise parece não ter chegado por onde se esperava, não é? O que nela surpreende e o que já estava previsto?

Os defensores da inevitabilidade do The Big One econômico acreditavam que ele seria provocado por uma recusa dos investidores internacionais em continuar a financiar os EUA e receber uma moeda – o dólar – em processo acelerado de perda de valor. Seria essa recusa a origem desse grande ajuste macro na maior economia do mundo.

Mas The Big One teve seu início de forma diferente, com o colapso do sistema bancário americano em função do estouro da bolha imobiliária e da crise de confiança que se seguiu. E o resultado desse ajuste inesperado provocou uma valorização da moeda americana em relação às principais moedas do mundo, com exceção do iene japonês, movimento contrário ao das previsões.

Mas o ponto central era que, em determinado momento, a dependência do consumidor do crédito ilimitado chegaria ao fim, o que resultaria numa redução brusca do consumo e numa situação de recessão profunda na maior economia do mundo. Essa parada brusca nos EUA teria reflexos imediatos no resto do mundo, levando a uma situação de recessão mundial. E isso está realmente acontecendo.


A crise começou no mercado imobiliário, pegou os bancos, que financiavam a farra, e chegou às empresas. Ainda há espaço para surpresas?

Até agora, vivemos os efeitos do terremoto financeiro iniciado com a realização de enormes prejuízos no sistema bancário americano e europeu e uma fuga generalizada para investimentos mais seguros, principalmente títulos públicos dos governos americano e europeus. Esse clima de pânico entre os investidores espalhados pelo mundo provocou um processo brutal de venda de títulos de crédito privado e de ações, gerando uma perda incalculável de riqueza financeira ao redor do mundo.

Agora, vivemos os efeitos de um processo generalizado e profundo de queda da atividade econômica, com redução dos lucros das empresas, do emprego e do salário. O quarto trimestre deste ano deve apresentar números assustadores de crescimento, principalmente nos EUA. O PIB americano deve cair 4% em relação ao do mesmo período de 2007. Essa etapa é mais perigosa que a primeira, pois pode levar o mundo a uma situação de depressão sem paralelo nas últimas décadas.


As medidas tomadas até agora, por exemplo, pelos países do G 20 foram inúteis?

As ações mais vigorosas dos Bancos Centrais do G 20 podem ter estancado o pânico financeiro dos últimos meses, mas entramos agora em uma nova fase da crise em função doe risco real de depressão econômica. O único instrumento de ação conhecido para essa situação é a expansão vigorosa dos gastos públicos nos moldes do pensamento keynesiano tradicional. Mas não se sabe, com certeza, como realizar este movimento depois de décadas de desmontagem dos instrumentos públicos de ação sobre a economia privada. Para mim, essa é a grande fonte de incertezas que vivemos hoje e que vai marcar o inicio do mandato do presidente Obama.


O senhor acredita que o presidente Lula, o Lírico da Marolinha, se deu conta do tamanho da crise?

Nosso presidente já mostrou que tem uma intuição muito forte para identificar riscos para seu governo. Embora a crise só tenha chegado ao Brasil em outubro, as informações já disponíveis — e certamente de conhecimento de Lula — são suficientes para que ele se arrependa da imagem da marolinha. Basta ver a intensidade das ações do governo na tentativa de preservar o crédito bancário no Brasil. Não tenho dúvida de que Lula sabe hoje que a imagem inicial da marolinha foi um grande erro de comunicação. Ele está agora fazendo um movimento de opinião pública para preparar os brasileiros menos informados para uma realidade bem mais difícil. Para ele, será fundamental preservar o Natal e deixar que os dias piores na economia apareçam apenas depois da virada do ano. Minha intuição me diz, entretanto, que o governo não acordou ainda para a verdadeira dimensão das mudanças que vão ocorrer na economia brasileira em 2009. Isso vai acontecer depois de um período mais longo, talvez apenas na Quarta–Feira de Cinzas ....


A crise pega a economia brasileira com os índices no pico. O senhor acredita que as medidas tomadas pelo governo federal, seguidas por outras de São Paulo e Minas, que tentam manter elevado o consumo, são uma boa resposta para a crise? Por quê?

São medidas para amortecer no tempo os efeitos que estão chegando ao lado real da economia. Como já disse, o Natal está próximo, e o presidente já prometeu varias vezes que o brasileiro vai ter um período de festas muito favorável. É fundamental para a sua credibilidade que as empresas deixem para o inicio de 2009 o processo de ajustes — emprego e produção — que necessariamente vão ocorrer. Nesse sentido, eu diria que as medidas são eficientes e devem manter o bom momento para o consumidor por mais algum tempo. A massa salarial deve se estabilizar com os primeiros sinais de redução do emprego muito localizado em regiões como São Paulo.


Mas, na sua opinião, o país cresce, em 2009, os 4% previstos por Guido Mantega?

As medidas adotadas não vão impedir que o próximo ano seja muito menos brilhante do que o período 2006-2008. As previsões dos analistas apontam para um crescimento do PIB, em 2009, da ordem de 2,5%, sendo, que na primeira metade do ano, o número deve ser pouco inferior a 2% ao ano. Não se prevê nenhum desastre, mas apenas uma dinâmica menos brilhante.


O crédito secou. Temos sinais claros de desaceleração, mas a crise ainda não chegou às classes C e D. Vai chegar?

Inicialmente, a crise vai ser mais sentida nas classes de renda mais alta e na região Sudesete. A MB Consultores Econômicos prevê, para 2009, uma redução importante nos rendimentos do trabalho dos brasileiros com renda superior a 10 salários mínimos. Para os que ganham até cinco mínimos, a renda do trabalho deve ser igual à de 2008, sem crescimento.

Esse cenário foi construído assumindo-se que a crise internacional não se aprofunde e que a economia americana já se mostre em recuperação no quarto trimestre do próximo ano. Nesse caso, o presidente Lula não enfrentará um quadro de desastre que possa destruir o apoio que hoje tem dos mais de 50% dos brasileiros que ganham menos de cinco salários mínimos. Os brasileiros de renda mais baixa devem apenas sentir a interrupção da melhora ocorrida nos últimos anos, não uma queda expressiva nos seu nível de vida. O efeito maior sobre esses brasileiros virá de uma menor disponibilidade de credito e, portanto, da capacidade de consumir bens industriais.

Mas é importante ressaltar que esse cenário depende de uma recuperação da economia mundial ainda em 2009. Se isto não acontecer, poderemos ter uma situação bem menos confortável para o presidente Lula na segunda metade do próximo ano.


Até quando a China resiste como uma espécie de esperança dos emergentes?

O crescimento econômico chinês para 2009 é hoje um das questões mais importantes para o mundo emergente, principalmente para países exportadores de commodities, como é o Brasil. Foi a demanda chinesa a peça chave na melhora expressiva dos preços destes produtos entre 2002 e 2007, permitindo que o Brasil aumentasse o valor de suas exportações. Esse movimento permitiu que nossas importações tivessem um crescimento intenso ao longo do período 2006-2007. Foi essa maior disponibilidade de produtos importados que permitiu que se multiplicasse por dois a taxa de crescimento do PIB sem que voltasse a inflação do passado.

Com a redução da demanda chinesa, os preços das commodities exportadas pelo Brasil voltaram ao nível de 2002, eliminando, dessa forma, os ganhos na nossa capacidade de importar. Este movimento é que obriga o Brasil a crescer novamente a taxas de 2,5 % ao ano.

As melhores previsões para o crescimento chinês em 2009 apontam para uma redução expressiva, algo na faixa dos 7% ao ano. Mas a China terá, no próximo ano, uma liberdade maior que outras economias para acelerar seu crescimento por intermédio dos gastos do governo. Poderemos ter, já nos últimos meses de 2009, uma volta a taxas mais elevadas de crescimento econômico. Se isso acontecer, poderemos ter uma melhora nos preços das commodities e uma folga maior em nosso comercio exterior.

Lula deverá, em 2009, fixar um olho no gato – a economia americana – e outro no peixe chinês.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A PETROBRAS E O BRASIL

Comentário do Dia » 14.11.08

WWW.INSTITUTOLIBERAL.ORG.BR
Arthur Chagas Diniz*

A Petrobras é bem um modelo reduzido do Brasil. Quando o mundo crescia a taxas extremamente elevadas e o Brasil a taxas iguais à média, Lulla ampliou de forma extraordinária o número de funcionários públicos, o número de cargos de confiança – leiam-se: petistas e sindicalistas – e aumentou os salários em generosas percentagens. O mundo mudou, a arrecadação certamente cairá, mas o Presidente, especialmente em ano eleitoral, não vai reduzir os reajustes. Obviamente vamos ter uma combinação de dois fatores:

· Aumento nos impostos e taxas
· Redução no volume de investimentos

O último balanço da Petrobras, uma caixa preta de difícil acesso, mostra que a empresa teve um aumento de mais R$2,4 bilhões em despesas operacionais no terceiro trimestre**. Tal como o País, a Petrobras pensou um mundo com preços de petróleo perto dos US$200/barril. Esta empresa que, por vários anos, destinou volumosos recursos para cobrir os déficits de seu generoso fundo de pensão, ignorando os acionistas privados, agora anuncia que vai adiar os investimentos no pré-sal.

Se tivéssemos tido menos empáfia, o Tesouro teria recebido um volume bem maior de royalties porque, àquela altura, os investidores estrangeiros iriam brigar para perfurar o pré-sal. A mudança nas regras do jogo sugeridas envolvia, até mesmo, a criação de uma empresa 100% estatal para administrar as jazidas do novo sheik do petróleo.

É preciso prudência para não criar ou elevar despesas fixas quando o negócio está indo bem. A Petrobras e o Brasil incorreram no mesmo erro: o de avaliar um negócio pelo seu melhor momento. As ações da Petrobras caíram, em um só dia, 13,75% do seu valor.

** Folha de S. Paulo / Dinheiro, p. 4B, 13.11.08.
* Presidente do Instituto Liberal

"Big One" finalmente chegou

São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 2008


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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROSO



ECONOMISTAS importantes vêm há muito tempo -alguns há mais de oito anos- alertando para uma grande correção na economia norte-americana em razão de seus déficits externos crescentes. Alguns chamaram esse movimento de "The Big One", em homenagem ao grande terremoto previsto para acontecer na região de Los Angeles. Esse abalo sísmico econômico seria a conseqüência de um vigoroso e inevitável aumento na taxa de poupança do consumidor, única forma conhecida para ajustar a conta corrente norte-americana. Os medos foram crescendo nos últimos anos por causa da verdadeira orgia de crédito ocorrida nos Estados Unidos, que aumentou progressivamente a armadilha financeira. Nesse período, a relação entre o endividamento das famílias e o PIB chegou ao número incrível de 130%. Não por outra razão, o déficit na conta corrente atingiu quase US$ 800 bilhões, cerca de 6% do PIB. Esses números representam o outro lado da moeda da expansão descontrolada do crédito ao consumidor.

Muito embora o "Big One" tenha sido antecipado, sua ocorrência agora não tem nada a ver com as previsões de uns poucos iluminados. Para esses, seria a desconfiança dos mercados e dos investidores em relação ao dólar que provocaria um movimento tectônico na economia norte-americana, a partir do colapso de sua moeda. Entretanto a correção macroeconômica está ocorrendo com o dólar forte e em processo continuado de valorização em relação a todas as moedas do mundo, com exceção do iene japonês. Esqueceram de que a moeda reserva não é facilmente substituível, especialmente em um mundo em recessão. Mas o que interessa ao analista econômico de hoje não são as causas desse movimento, mas suas conseqüências sobre a economia global. E elas serão dramáticas nos próximos anos. Segundo algumas avaliações, o processo de correção do comportamento do consumidor americano só deve se estabilizar quando a taxa de poupança chegar a algo como 7% do PIB. A velocidade desse ajuste dependerá das condições do crédito bancário ao longo dos próximos meses. Até o novo equilíbrio, a redução dos gastos dos americanos deverá subtrair cerca de 4% do crescimento da maior economia do mundo.

Isso implica dizer que os Estados Unidos devem crescer a taxas menores do que 1% ao ano, se esse processo se realizar ao longo dos próximos três anos. Se ele ocorrer em prazo mais curto, devido à recuperação mais lenta do crédito, a recessão pode se espalhar por 2009 e por um bom pedaço de 2010. A política fiscal também será um elemento importante para definir o perfil do ajuste.

Essa nova dinâmica dos Estados Unidos terá repercussão muito importante no mundo emergente e principalmente no Brasil. No cenário de uma recessão mais prolongada, os preços das commodities devem permanecer deprimidos, reduzindo os termos de troca de nossa economia. Os preços das commodities já regrediram aos níveis de 2002, eliminando todos os ganhos dos últimos anos. Em outras palavras, ficamos mais pobres e perdemos a possibilidade de continuar importando bens industriais de consumo e investimentos na intensidade atual.
Essa nova situação nos obriga a repensar nossa política econômica e a deixar a euforia dos últimos anos para trás. No terceiro trimestre deste ano, a economia brasileira cresceu cerca de 6% em termos anualizados. Temos de nos preparar para números bem mais baixos para os próximos anos.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 65, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).lcmb2@terra.com.br